- "Caroline's Math Club" - eu li alto para mim mesma, deixei um suspiro escapar e me perguntei enquanto batia lentamente naquela porta azul marinho o por que de usarem nomes em inglês quando moramos no Brasil.
Caroline, a presidente do clube de matemática abriu a porta e escancarou um sorriso que me deu vontade de sair correndo que retribui.
- Áyla! - ela deu um gritinho feliz e me abraçou.
- Carol! - eu disse e a abracei bem forte. - Tudo bem amiga? - Isso me enjoa.
- Estava com saudades de você! - eu falei dando o mesmo gritinho que ela.- Isso é insuportável.
- Ah, amiga, também! - ela me pegou pela mão e me arrastou para dentro da sala. - Galera, olha quem veio nos ver!
Haviam mais pessoas desde a última vez que vim. Continua um inferno. Ainda bem que vim vê-los. Eles falaram oi e voltaram a conversar, menos Lia que se levantou e veio me dar um abraço também. Quero ir embora. Eu a abracei bem forte, elas me perguntaram o por que da surpresa.
- Estou aqui para ver vocês é claro! -mentira eu disse animada - e para pegar uma ajudinha para as aulas.
Elas riram, eu ri, nos abraçamos, me deram um caderno com anotações, nos abraçamos mais, prometi que voltaria, fui embora.
Voltei para casa, vi minha mãe, a cumprimentei, fiz o que pediu, fui para meu quarto, joguei a mochila no chão, tirei o uniforme, coloquei o pijama, desci para jantar, meu pai estava bêbado, ele quis falar comigo.
Quero ir embora disse que claro.
- Vamos subir - ele disse e soltou um arroto nojento. - Não precisamos que sua mãe escute nossa conversa.
Eu não quero ficar sozinha com você disse que claro. Entramos no meu quarto, ele me mandou sentar na cama
- Áyla querida, o que você anda fazendo na escola? - os olhos dele me assustavam.
- Nada de mais pai - minha voz tremia assim como meu corpo. Me pergunto o por que. - Apenas estou ficando mais tempo por causa de um grupo de estudos...
- MENTIROSA - ele agarrou meu cabelo e o puxou para trás. Isso dói papai não posso chorar não posso chorar.
- Não estou mentindo pai - eu disse com muito medo. Muito medo. - É verdade.
- PARE DE MENTIR - ele largou meu cabelo e deu um tapa no meu rosto. Eu fui pra trás com a força dele. - Eu vi você saindo com um garoto hoje! - ele puxou minhas pernas e eu cai com tudo da cama.
Não posso chorar, não posso chorar.
- Não pai...
- ESTÁ ME CHAMANDO DE MENTIROSO? - ele cobriu minha testa com sua mão e a bateu com força no chão. Papai, para papai. Ele não parava.
- Não pai... - minha voz estava entrecortada, minhas lágrimas ameaçavam sair. Eu solucei baixinho e rezei para que ele não tivesse prestado atenção ele sempre vê isso.
- Ei - ele baixou a voz perigosamente, ele viu. - Você está chorando querida?
- Não pai - eu disse segurando minha respiração e não consegui segurar o grito quando ele passou a perna sobre mim, sentando no meu colo e me dando um soco na cara.
- Você acabou de gritar querida? - ele riu e me deu mais dois socos. Acho que isso o deixou satisfeito ele nunca está satisfeito. - Com isso você aprende a não mentir mais para mim? Acho que sim.
Ele se levantou e bateu a porta. Ouvi a chave, ele me trancou lá dentro, não trancou? Ele nos trancou de novo babaca.
- Calem a boca - eu disse baixinho. - Não preciso de vocês.
- Não precisa de nós? - eu disse com uma voz mais grave. - Você já teria se suicidado se não fosse por nós!
- Isso mesmo - eu disse com uma voz mais aguda - O papai é muito mal.
- Ele se atreve a continuar nos chamando de "querida", idiota - minha voz grave voltou.
- Áyla, a gente conta pra Materna? - voz infantil novamente.
- Não - eu voltei - Ela iria ter outro ataque e iria brigar comigo, Sete - eu disse me dirigindo a voz aguda. - Você também Revoltado, não se atreva a se voltar contra ele novamente.
- Ai - Sete, minha voz aguda e infantil disse - Ele nos bateu tanto!
- Você acha que não doeu em mim? - Revoltado, minha voz grave disse - Eu fiquei tão de saco cheio!
- É - eu voltei - Mas Materna chorou tanto. Imagino por que... - eu me sentei lentamente.
- Ai! - Sete disse - Chegava a doer o tanto que ela chorava, Áyla.
- Eu acho que a Materna pegou todos os seus sentimentos viu Áyla?- Revoltado disse e suspirou - Ela chorou pelo mesmo motivo que eu bati nele.
- Eu sou apenas uma de vocês Revoltado, Sete... - eu deixei meus olhos vagarem enquanto eu senti a dor. - A Materna é quem entende mais.
- Ela se esconde, não é? - Sete disse.
- Sim, Sete. - Revoltado disse.
- Ela era a dona original desse corpo não era? - eu disse cansada.
- Ela ainda é Áyla, por isso a chamamos de Materna, por isso ela chora e você não. - Revoltado suspirou exausto.
- Por que nós ainda fazemos isso? - eu disse.
- Por que nós amamos viver - disse Sete.
- Por que nós odiamos sentir dor - disse Revoltado.
- Por que eu não quero nunca morrer - eu, na verdade, Materna disse com a voz embargada.
E todos nós choramos. Por que somos um em um mesmo corpo. Por que todos sós convivemos nesse corpo e o compartilhamos.
Por que a primeira de nós era fraca o bastante para nós criar.
É confuso pra caramba, é óbvio, mas acho que dá para entender que o que temos aqui não é sobrenatural e simplesmente psicológico. É como se fosse um transtorno de TDI, mas modificado por mim, no qual todos eles podem se comunicar e sabem da existência de cada um.
Acho que o que eu criei aqui não chega a ser um transtorno e sim uma forma de fuga de nossa protagonista.
E por assim dito, vou acabando por aqui.
Paula Gonçalves de Brito.